Tramita
no Congresso Nacional a proposta de criação de um Estatuto da Pessoa com
Deficiência, que pode alterar – para o bem e para o mal – o conjunto de leis
que garantem os direitos das pessoas com deficiência no Brasil.
A
Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência de São Paulo
produziu a seguinte avaliação sobre o documento, encaminhada aos relatores da
proposta:
ANÁLISE
DO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
Após
análise do Estatuto da Pessoa com Deficiência, a equipe técnica da Secretaria
de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência de São Paulo posiciona-se contrariamente à aprovação do
texto, pelas razões expostas a seguir:
A
princípio, nos parece que o próprio formato de Estatuto não se justifica, uma
vez que o documento traz pouquíssimas novidades e mais retira direitos do que
aperfeiçoa a legislação já existente.
Muito
mais apropriado seria propor alterações pontuais em determinadas leis, com o
devido debate parlamentar e junto a sociedade civil, procedendo-se,
posteriormente, a compilação das leis – alteradas ou não – que garantam os
direitos das pessoas com deficiência, de modo a facilitar sua consulta,
atividade inclusive dificultada pelo modelo do Estatuto, em geral confuso e
fazendo referência a leis sem, no entanto, apresentá-las na íntegra,
dificultando a compreensão das reais mudanças propostas.
A
consolidação de leis é o recurso mais utilizado pelos parlamentos modernos,
evitando equívocos e distorções.
Cabe
ressaltar que a tramitação de um documento extenso e único como este no
Congresso abre a possibilidade de que receba emendas que o descaracterizem
ainda mais, trazendo o risco de ser aprovado um texto que não reflita os
anseios das pessoas com deficiência.
Independentemente
dos fatores apresentados acima – modelo confuso e formato inapropriado para uma
tramitação segura – o texto analisado carrega ainda erros conceituais e
proposições não condizentes com a construção histórica da inclusão com
autonomia, liderada pelo movimento social das pessoas com deficiência.
Entre
os pontos mais incongruentes presentes no documento, podemos destacar:
O
artigo 7 afirma que “Todas as pessoas com deficiência são iguais perante a lei
e não sofrerão nenhuma espécie de discriminação”, ou seja, de forma
desnecessária e incoerente, garante a equiparação de oportunidades
exclusivamente entre as pessoas com deficiência e não com toda a população.
Os
artigos 52 e 120, por exemplo, reintroduzem uma ideia já amplamente rechaçada
pela sociedade quando dos debates em torno do PL 112, recentemente retirado da
pauta do Congresso: a permissão para que empresas substituam a contratação de
trabalhadores com deficiência pela simples oferta de cursos de capacitação, o
que a sociedade civil organizada já deixou claro ser inaceitável. Na prática,
os artigos legalizam a substituição do cumprimento da Lei de Cotas por medidas
compensatórias e ainda abrem importante brecha para que empresas aleguem atuar
em segmentos com grande número de postos de trabalho insalubres ou perigosos,
ficando dispensadas de cumprir a cota.
Da
mesma forma, o capítulo sobre o Direito a Assistência Social deixa de
introduzir questões já amplamente discutidas, como a necessidade de considerar
os custos adicionais da deficiência na redefinição de valores e critérios de
elegibilidade dos benefícios sociais.
O
artigo 64, que trata das vagas reservadas em estacionamentos, tem uma redação
que implica em redução de direitos, pois não menciona as vagas nas vias
públicas e também não explicita que, nos estacionamentos privados, deverá ser
garantido o número mínimo de uma vaga.
O
texto traz ainda retrocessos em áreas como a educação e deixa de avançar no
campo da reabilitação, ignorando demandas históricas, como a fisioterapia de
manutenção.
Estes
são apenas alguns dos sérios problemas presentes no documento e que parecem
transparecer que os responsáveis por sua construção – seja por desconhecimento
ou por indução – ficaram demasiadamente expostos a pressões de interesses
econômicos ou de apenas alguns segmentos da sociedade civil, deixando de ouvir
os principais interessados: as pessoas com deficiência.
Assim,
embora o documento traga alguns aspectos positivos – como a retirada dos
aprendizes para cumprimento da Lei de Cotas e a transformação da curatela total
da pessoa com deficiência intelectual em medida extraordinária – tais avanços
não compensam o enorme prejuízo que a aprovação deste Estatuto traria para a
sociedade brasileira.
A
equipe técnica da Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência
de São Paulo recomenda aos relatores que o referido documento seja arquivado ou
passe por profundo debate junto a sociedade, por meio de audiências públicas,
retomando, posteriormente, a tramitação nas devidas Comissões do Congresso
Nacional.
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